Discussão: Loiva ferreira

Loiva ferreira


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"Eu não sei senão amar-te,

Nasci para te querer.

Ó quem me dera beijar-te,

E beijar-te até morrer.”


Fernando Pessoa






Esboço de Cantiga

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Subo e desço noite e dia,

noite dia subo e desço

por mil escadas de nuvens

no castelo em que padeço.


Subo com ramos de flores,

e a água dos jarros esqueço,

há mil escadas de nuvens

no trabalho que ofereço.


Ai, que trabalho tão grande

nas nuvens que subo e desço

não só por águas e flores,

mas recados de mais preço,


que me mandam, que me chamam,

neste sem fim nem começo,

castelo entre a vida e a morte

de um dono que não conheço.


Subo e desço noite e dia,

gasto-me e desapareço…

Ai que castelo tão alto,

tão alto e sem endereço!


Cecília Meireles





Velhas árvores

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Olha estas velhas árvores, mais belas

Do que as árvores novas, mais amigas:

Tanto mais belas quanto mais antigas,

Vencedoras da idade e das procelas...


O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas

Vivem, livres de fomes e fadigas;

E em seus galhos abrigam-se as cantigas

E os amores das aves tagarelas.


Não choremos, amigo, a mocidade!

Envelheçamos rindo! envelheçamos

Como as árvores fortes envelhecem:


Na glória da alegria e da bondade,

Agasalhando os pássaros nos ramos,

Dando sombra e consolo aos que padecem!


Olavo Bilac, in "Poesias"





Amor e felicidade

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Infeliz de quem passa pelo mundo,

Procurando no amor felicidade:

A mais linda ilusão dura um segundo;

E dura, a partir daí, tristeza e saudade.

Repleto é o amor no íntimo mais profundo.

Onde esconde a linda jóia da verdade;

E só depois de vazia, mostra o fundo.

Só depois, embriaga-se a felicidade.

Eis aqui mais um enamorado descontente,

Escutando a palavra confidente

Que o coração murmura, e a voz não diz.

Percebo afinal meu pecado:

Quanto me falta para ser amado.

Quanto me falta para ser feliz.


J. G. de Araujo Jorge





Apresentação

Cecília Meireles

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Aqui está minha vida – esta areia tão clara

com desenhos de andar dedicados ao vento.


Aqui está minha voz – esta concha vazia,

sombra de som curtindo o seu próprio lamento.


Aqui está minha dor – este coral quebrado,

sobrevivendo ao seu patético momento.


Aqui está minha herança – este mar solitário,

que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.





Dançarina Espanhola

Rainer Maria Rilke

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Como um fósforo a arder antes que cresça

a flama, distendendo em raios brancos

suas línguas de luz, assim começa

e se alastra ao redor, ágil e ardente,

a dança em arco aos trêmulos arrancos.


E logo ela é só flama, inteiramente.


Com um olhar põe fogo nos cabelos

e com a arte sutil dos tornozelos

incendeia também os seus vestidos

de onde, serpentes doidas, a rompê-los,

saltam os braços nus com estalidos.


Então, como se fosse um feixe aceso,

colhe o fogo num gesto de desprezo,

atira-o bruscamente no tablado

e o contempla. Ei-lo ao rés do chão, irado,

a sustentar ainda a chama viva.

Mas ela, do alto, num leve sorriso

de saudação, erguendo a fronte altiva,

pisa-o com seu pequeno pé preciso.


Tradução: Augusto de Campos





Pálida à luz

Alvares de Azevedo

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Pálida à luz da lâmpada sombria,

Sobre o leito de flores reclinada,

Como a lua por noite embalsamada,

Entre as nuvens do amor ela dormia!


Era a virgem do mar, na escuma fria

Pela maré das águas embalada!

Era um anjo entre nuvens d alvorada

Que em sonhos se banhava e se esquecia!


Era mais bela! o seio palpitando

Negros olhos as pálpebras abrindo

Formas nuas no leito resvalando


Não te rias de mim, meu anjo lindo!

Por ti - as noites eu velei chorando,

Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!






Nocturno

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Amor! Anda o luar, todo bondade,

Beijando a Terra, a desfazer-se em luz…

Amor! São os pés brancos de Jesus

Que anda pisando as ruas da cidade!


E eu ponho-me a pensar… Quanta saudade

Das ilusões e risos que em ti pus!

Traças em mim os braços duma cruz,

Neles pregaste a minha mocidade!


Minh’alma que eu te dei, cheia de mágoas,

É nesta noite o nenúfar de um lago

Estendendo as asas brancas sobre as águas!


Poisa as mãos nos meus olhos, com carinho,

Fecha-os num beijo dolorido e vago…

E deixa-me chorar devagarinho…


Florbela Espanca




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O Ramalhete

Gonçalves de Magalhães


Eu ando colhendo flores

para a deusa dos amores,

que além espera por mim.

Já tenho cravos cheirosos,

não-me-deixes primorosos

e o branco e puro jasmim.

.

Tenho violetas dobradas,

estas cravinas rajadas

e o fragrante mogorim:

para ornar o ramalhete,

tenho da sécia o alfinete

e um galhinho de alecrim.

.

Só a rosa aqui me falta,

que só ela não esmalta

este tão lindo jardim!

Mas também para que rosas!

Se as tem nas faces mimosas

e em teus lábios de cetim!






Harmonia Velha

Guilherme de Almeida

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O teu beijo resume

Todas as sensações dos meus sentidos

A cor, o gosto, o tato, a música, o perfume

Dos teus lábios acesos e estendidos

Fazem a escala ardente com que acordas

O fauno encantador

Que, na lira sensual de cinco cordas,

Tange a canção do amor!

E o tato mais vibrante,

O sabor mais sutil, a cor mais louca,

O perfume mais doido, o som mais provocante

Moram na flor triunfal da tua boca!

Flor que se olha, e ouve, e toca, e prova, e aspira;

Flor de alma, que é também

Um acorde em minha lira,

Que é meu mal e é meu bem...

Se uma emoção estranha o gosto de uma fruta,

A luz de um poente chega a mim,

Não sei de onde, e bruscamente ganha qualquer

Sentido meu, é a ti somente que ouço,

Ou aspiro, ou provo, ou toco, ou vejo...

E acabo de pensar

Que qualquer emoção vem de teu beijo

Que anda disperso no ar...




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