Discussão: Loiva ferreira

Loiva ferreira



As sem- razões do amor
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Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


Carlos Drummond de Andrade






Canção do mar aberto

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Onde puseram teus olhos

A mágoa do teu olhar?

Na curva larga dos montes

Ou na planura do mar?

De dia vivi este anseio;

De noite vem o luar,

Deixa uma estrada de prata

Aberta para eu passar.

Caminho por sobre as ondas

Não paro de caminhar.

O longe é sempre mais longe…

Ai de mim se me cansar!…

Morre o meu sonho comigo,

Sem te poder encontrar!


Armando Côrtes-Rodrigues, in ‘Planície Inquieta’





Luar

Paul Verlaine

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Tua alma é uma paisagem escolhida

Que encantando vão máscaras e bergamascas,

Tocando alaúde e dançando, e quase

Tristes em suas fantasias extravagantes.


Cantando em modo menor

O amor triunfante e a vida oportuna,

Não parecem acreditar em sua felicidade

E sua canção mistura-se ao luar,


Ao calmo luar triste e belo,

Que faz sonhar as aves nas árvores

E soluçar de êxtase as fontes,

As grandes fontes esbeltas entre os mármores.


Clair de Lune é um poema escrito por Paul Verlaine no ano de 1869 e fonte de inspiração para o terceiro e mais famoso movimento da Suíte bergamasque para piano, do compositor Claude Debussy. Clair de Lune, de Debussy (1905)





Lua-Luar

Cora Coralina

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Escuto leve batida.

Levanto descalça, abro a janela

devagarinho.

Alguém bateu?

É a lua-luar que quer entrar.


Entra lua poesia

antes dos astronautas:

Gagarin da terra azul,

Apolo XI que primeiro passeou solo lunar.


Lua que comanda os mares,

a fúria dos vagalhões

que vem morrer na praia.

O banzeiro das pororocas.


Lua dos namorados,

das intrigas de amor,

dos encontros clandestinos.

Lua-luar que entra e sai.


Lua nova, incompleta no seu meio arco.

Lua crescente, velha enorme, fecunda.

Lua de todos os povos

de todos os quadrantes.


Lua que enfurece o mar e em chumbo,

acovarda barcos pesqueiros.

O barqueiro se recolhe.


O pescado volta às redes.

O jangadeiro trava amarras.

Gaivotas fogem dos rochedos.


Lua cúmplice.

Lésbica lua nascente,

andrógina — lua-luar.

Lua dos becos tristes

das esquinas buliçosas.

Luar dos velhos.

Das velhas plantas sentenciadas.

Do sopro morto

dos bordões, rimas, violinos.


Lua que manda

na semeadura dos campos,

na germinação das sementes,

na abundância das colheitas.


Lua boa.

Lua ruim.

Lua de chuva.

Lua de sol.


Lua das gestações do amor.

Do acaso, do passatempo

Irresistível,

responsável, irresponsável.


Lua grande. Lua genésica

que marca a fertilidade da fêmea

e traz o macho para a semeadura.

O fruto aceito —

mal aceito: repudiado, abandonado,

A semente morta

lançada no esgoto.

A semente viva palpitante

deixada em porta alheia.


Cora Coralina







Amar

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Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade







Leio o amor

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Leio o amor no livro

da tua pele; demoro-me em cada

sílaba, no sulco macio

das vogais, num breve obstáculo

de consoantes,

em que os meus dedos

penetram, até chegarem

ao fundo dos sentidos.



Desfolho

as páginas que o teu desejo me abre,

ouvindo o murmúrio de um roçar

de palavras que se

juntam, como corpos, no abraço

de cada frase. E chego ao fim

para voltar ao princípio, decorando

o que já sei, e é sempre novo

quando o leio na tua pele.



Nuno Júdice







Tu Dulzura

Alfonsina Storni

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Camino lentamente por la senda de acacias,

me perfuman las manos sus pétalos de nieve,

mis cabellos se inquietan bajo céfiro leve

y el alma es como espuma de las aristocracias.


Genio bueno: este día conmigo te congracias,

apenas un suspiro me torna eterna y breve...

¿Voy a volar acaso ya que el alma se mueve?

En mis pies cobran alas y danzan las tres Gracias.


Es que anoche tus manos, en mis manos de fuego,

dieron tantas dulzuras a mi sangre, que luego,

llenóseme la boca de mieles perfumadas.


Tan frescas que en la limpia madrugada de Estío

mucho temo volverme corriendo al caserío

prendidas en mis labios mariposas doradas.





Traze-me

Cecília Meireles

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Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.


Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.


Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
-Vê que nem te digo - esperança!
-Vê que nem sequer sonho - amor!


Cecília Meireles (1901-1964) foi poetisa, professora, jornalista e pintora brasileira.

Nasceu no Rio de Janeiro







Cai chuva do céu cinzento

Fernando Pessoa

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Cai chuva do céu cinzento

Que não tem razão de ser.

Até o meu pensamento

Tem chuva nele a escorrer.


Tenho uma grande tristeza

Acrescentada à que sinto.

Quero dizer-ma mas pesa

O quanto comigo minto.


Porque verdadeiramente

Não sei se estou triste ou não,

E a chuva cai levemente

(Porque Verlaine consente)

Dentro do meu coração.







Retrato de uma princesa desconhecida

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Para que ela tivesse um pescoço tão fino

Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule

Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos

Para que a sua espinha fosse tão direita

E ela usasse a cabeça tão erguida

Com uma tão simples claridade sobre a testa

Foram necessárias sucessivas gerações de escravos

De corpo dobrado e grossas mãos pacientes

Servindo sucessivas gerações de príncipes

Ainda um pouco toscos e grosseiros

Ávidos cruéis e fraudulentos


Foi um imenso desperdiçar de gente

Para que ela fosse aquela perfeição

Solitária exilada sem destino.




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