Discussão: Loiva ferreira

Loiva ferreira



Mendiga

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Na vida nada tenho e nada sou;

Eu ando a mendigar pelas estradas...

No silêncio das noites estreladas

Caminho, sem saber para onde vou!


Tinha o manto do sol... quem mo roubou?!

Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!

Quem foi que sobre as ondas revoltadas

A minha taça de oiro espedaçou?!


Agora vou andando e mendigando,

Sem que um olhar dos mundos infinitos

Veja passar o verme, rastejando...


Ah, quem me dera ser como os chacais

Uivando os brados, rouquejando os gritos

Na solidão dos ermos matagais!...


Florbela Espanca, in "Charneca em Flor





Mistério d’amor

Florbela Espanca

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Um mistério que trago dentro em mim

Ajuda-me, minh’alma a descobrir…

É um mistério de sonho e de luar

Que ora me faz chorar, ora sorrir!


Viemos tanto tempo tão amigos!

E sem que o teu olhar puro toldasse

A pureza do meu. E sem que um beijo

As nossas bocas rubras desfolhasse!


Mas um dia, uma tarde… houve um fulgor,

Um olhar que brilhou… e mansamente…

Ai, dize ó meu encanto, meu amor:


Porque foi que somente nessa tarde

Nos olhamos assim tão docemente

Num grande olhar d’amor e de saudade?!





Minha Estupidez

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Você me conserta,

me alerta emboscadas,

refaz os meus estragos,

afaga minha estupidez,

os percalços de mim.


Mostra de onde vim,

os endereços pra seguir.

Você me dá vida, dádiva que fica,

me encoraja, me intensifica,

faz mágicas pra eu sorrir,

me rarifica.


Tolera o que mostro

na minha cicatriz,

justifica eu ter poesias,

ter do que ser feliz.


Você me dá sonho,

chove quando eu seco,

irriga meus hemisférios,

atenua minha insensatez


me sua no seu corpo

mima minha sina,

me cria em teu bolero,

me motiva a viver,


aceita eu ser sem rumo,

não saber o que quero,

abre minhas janelas

conhece meus porões

varre os meus quintais.


Marcos tavares






Soneto da saudade

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Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
E ternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!


Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas...


Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.


Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos...
Nem a distância apaga a chama da paixão.



Guimarães Rosa








Eu era a tua poesia...

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És parecida com a Terra.

Essa é a tua beleza.

Era assim que dizias.


E quando nos beijávamos e eu perdia respiração e,

entre suspiros, perguntava: em que dia nasceste?

E me respondias, voz trémula:

estou nascendo agora.


E a tua mão ascendia

por entre o vão das minhas pernas

e eu voltava a perguntar: onde nasceste?

E tu, quase sem voz, respondias:

estou nascendo em ti, meu amor.


Era assim que dizias.

... tu eras um poeta.

Eu era a tua poesia.

E quando me escrevias,

era tão belo o que me contavas

que me despia para ler as tuas cartas.


Só nua eu te podia ler.

Porque te recebia não em meus olhos,

mas com todo o meu corpo,

linha por linha, poro por poro.


Mia Couto






Quiero llorar mi pena y te lo digo...

Frederico Garcia Lorca

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Quiero llorar mi pena y te lo digo

para que tú me quieras y me llores

en un anochecer de ruiseñores,

con un puñal, con besos y contigo.


Quiero matar al único testigo
para el asesinato de mis flores
y convertir mi llanto y mis sudores
en eterno montón de duro trigo.


Que no se acabe nunca la madeja
del te quiero me quieres, siempre ardida
con decrépito sol y luna vieja.


Que lo que no me des y no te pida
será para la muerte, que no deja
ni sombra por la carne estremecida.


(España- 1898-1936)






Fascínio

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Casado, continuo a achar as mulheres irresistíveis.
Não deveria, dizem.
Me esforço. Aliás,
já nem me esforço.
Abertamente me ponho a admirá-las.
Não estou traindo ninguém, advirto.
Como pode o amor trair o amor?
Amar o amor num outro amor
é um ritual que, amante, me permito.


Affonso Romano Sant'Anna






Beijo do Arlequim

Menotti Del Picchia


Pequeno trecho do diálogo
entre Arlequim e Pierrot em
“As Máscaras”
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O beijo da mulher!

Ó sinfonia louca da sonata

que o amor improvisa na boca...

No contato do lábio, onde a emoção

acorda,

sentir outro vibrar, como vibra uma

corda...

À vaga orquestração da frase que

sussurra

ver um corpo fremir tal qual uma

bandurra...

Desfalecer ouvindo a música que canta

no gemido de amor que morre na

garganta...

Colar o lábio ardente à flor de um

seio lindo,

ir aos poucos subindo...ir aos poucos

subindo...

até alcançar a boca e escutar, num

arquejo,

o universo parar na síncope de um

beijo!







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Aranhol


Ei-la tecendo a sua frágil teia;
Passa e repassa em torno e não se cansa,
Não se detém, não erra, não tonteia.

Por isso também eis que, sem tardança,
Pronta, a urdidura esplendida pompéia;
E é quando a aranha rutila descansa
No esplendor de seda que a rodeia.

O sol voluptuoso e ardente incide
Na trama, em cujo centro o aracnide
Como um fulvo topázio resplandece.

E eu penso que é filósofa esta aranha,
E, trânsfuga do mundo, se emaranha
No sonho sutilíssimo que tece.


Cecília Meirelesc







Amiga

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Deixa-me ser a tua amiga, Amor,

A tua amiga só, já que não queres

Que pelo teu amor seja a melhor,

A mais triste de todas as mulheres.


Que só, de ti, me venha mágoa e dor

O que me importa a mim?! O que quiseres

É sempre um sonho bom! Seja o que for,

Bendito sejas tu por mo dizeres!


Beija-me as mãos, Amor, devagarinho …

Como se os dois nascêssemos irmãos,

Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho …


Beija-mas bem! … Que fantasia louca

Guardar assim, fechados, nestas mãos

Os beijos que sonhei prà minha boca!



Florbela Espanca

in “Livro de Mágoas”





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