Discussão: Loiva ferreira

Loiva ferreira


Soneto XXVIII

Cláudio Manuel da Costa

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Faz a imaginação de um bem amado,

Que nele se transforme o peito amante;

Daqui vem, que a minha alma delirante

Se não distingue já do meu cuidado.


Nesta doce loucura arrebatado

Anarda cuido ver, bem que distante;

Mas ao passo, que a busco, neste instante

Me vejo no meu mal desenganado.


Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,

E por força da idéia me converto

Na bela causa de meu fogo ativo;


Como nas tristes lágrimas, que verto,

Ao querer contrastar seu gênio esquivo,

Tão longe dela estou, e estou tão perto.


Publicado no livro Obras (1768).





Presença

Mário Quintana

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É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,

teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento

das horas ponha um frêmito em teus cabelos...

É preciso que a tua ausência trescale

sutilmente, no ar, a trevo machucado,

as folhas de alecrim desde há muito guardadas

não se sabe por quem nalgum móvel antigo...

Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela

e respirar-te, azul e luminosa, no ar.

É preciso a saudade para eu sentir

como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...

Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista

que nunca te pareces com o teu retrato...

E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.






Reverie

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"Refugia-te na Arte" diz-me Alguém

"Eleva-te num vôo espiritual,

Esquece o teu amor, ri do teu mal,

Olhando-te a ti própria com desdém.


Só é grande e perfeito o que nos vem

Do que em nós é Divino e imortal!

Cega de luz e tonta de ideal

Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!"


No poente doirado como a chama

Estas palavras morrem… E n’Aquele

Que é triste, como eu, fico a pensar…


O poente tem alma: sente e ama!

E, porque o sol é cor dos olhos d’Ele,

Eu fico olhando o sol, a soluçar…


Florbela Espanca






Te quiero sin mirar atrás

Mario Benedetti

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Te quiero mansamente, entre las sombras de las falsas ilusiones.

Te quiero como para leerte cada noche, como mi libro favorito quiero leerte, línea tras línea, letra por letra, espacio por espacio.

Te quiero para tomarte de la mano bajo el firmamento y mostrarte los te amo escondidos entre las estrellas.

Te quiero sobre las hojas de otoño , hablando de nada pero a la vez de todo y en un arranque de locura beber tus lágrimas mientras desfallezco en tus labios.

Te quiero para buscarte entre las frases no dichas, entre los pensamientos enterrados, entre las maneras complicadas quiero encontrarte y después no dejarte.

Te quiero como para llevarte a mis lugares favoritos y contarte que es ahí donde me siento a buscarte en la niebla de miradas que no son tuyas pero aun así te busco.

Te quiero para volvernos locos de risa, ebrios de nada y pasear sin prisa por las calles, eso sí, tomados de la mano, mejor dicho del corazón.

Te quiero como para sanarte, y sanarme, y sanemos juntos, para remplazar la heridas por sonrisas y las lágrimas por miradas en donde podremos decir más que en las palabras.

Te quiero por las noches en las que faltas, te quiero como para escuchar tu risa toda la noche y dormir en tu pecho, sin sombras ni fantasmas, te quiero como para no soltarte jamás.

Te quiero como se quiere a ciertos amores, a la antigua, con el alma y sin mirar atrás.







Hoje Sonhei-te...

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Hoje sonhei-te comigo

Tudo parecia caminhar ao nosso lado

Cada som era a melodia

Que nossos sentidos ansiavam

E até o silêncio cantava

O nosso sonho.


Hoje sonhei-te comigo

O tempo ganhou asas

Tu eras o ontem, o hoje, o sempre...

E a tua presença preencheu o vazio do tempo.


Hoje sonhei-te

Para lá de tudo

Sem mágoas, egoísmos, traições...

Um quadro de vida a duas cores

Um quadro de sonho

Meu e Teu


Hoje sonhei-te comigo

E não queria acordar...


Lua-verde (Portugal)






A Orfeu

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Das tuas mãos divinas de Poeta

Herdei a lira que não sei tanger;

Por eleição ou maldição secreta,

Tenho uma grade para me prender.


Cercam-me as cordas, de emoção,

Versos de ferro onde me rasgo inteiro.

Mas, do fundo da alma e da prisão,

Obrigado, meu Deus e carcereiro!


Miguel Torga





Ai

Bruna Lombardi

(Actriz, modelo, poetisa brasileira, 1952 - )

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joga no mar velhos porta-retratos

meu mapa astral trazia exato

esse risco de vida

na casa do prazer

ai, a delícia de tentar

te esquecer

toda paixão é capaz de conter

uma espécie de crime

ai, esse prazer de se deixar

cortar, riscar

esse sublime ato de violência

delinqüencia velada

ai, essa roupa rasgada

que é preciso esconder...

ele diz devagar umas palavras

te transforma lentamente numa escrava

do seu poder

ai, jogar no mar, tentar lavar

perder.





Serenata

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Repara na canção tardia

que timidamente se eleva,

num arrulho de fonte fria.


O orvalho treme sobre a treva

e o sonho da noite procura

a voz que o vento abraça e leva.


Repara na canção tardia

que oferece a um mundo desfeito

sua flor de melancolia.


É tão triste, mas tão perfeito,

o movimento em que murmura,

como o do coração no peito.


Repara na canção tardia

que por sobre o teu nome, apenas,

desenha a sua melodia.


E nessas letras tão pequenas

o universo inteiro perdura.


E o tempo suspira na altura

por eternidades serenas.



Cecília Meireles






Alma a Sangrar

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Quem fez ao sapo o leito carmesim

De rosas desfolhadas à noitinha?

E quem vestiu de monja a andorinha,

E perfumou as sombras do jardim?


Quem cinzelou estrelas no jasmim?

Quem deu esses cabelos de rainha

Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha

Alma a sangrar? Quem me criou a mim?


Quem fez os homens e deu vida aos lobos?

Santa Teresa em místicos arroubos?

Os monstros? E os profetas? E o luar?


Quem nos deu asas para andar de rastros?

Quem nos deu olhos para ver os astros

- Sem nos dar braços para os alcançar?!...



Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"






Desígnios

Bruna Lombardi

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"alguém pode me dizer

se estava prevista na palma da minha mão

esta paixão inesperada

se estava já escrita e demarcada

na linha da minha vida

se fazia já parte da estrada

e tinha que ser vivida


ou foi um desgoverno repentino

que surpreendeu os deuses, todos

os que desenham o nosso destino

ou foi um desatino, uma loucura

uma imprevisível subversão

que só a partir de agora eu trago marcada

na palma da minha mão"

Bruna Lombardi




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