Discussão: Loiva ferreira

Loiva ferreira


Saudade

Bernardina Vilar

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Saudade é a imagem das recordações...

De luz acesa, crepitante chama

Que aquece a alma e gera evocações

E sem querer o desengano engana.


Saudade é um verso feito de emoções...

Acre perfume que a doçura emana

Torpor que entrando em nossos corações

Quanto mais embriaga, mais inflama...


Doce abandono... Ausência merencória...

De um passado distante a viva história

Que em nós conserva uma lembrança pura.


Saudade é o silvo agudo de um lamento

Que escutamos no perpassar do tempo

Como sendo delícia e amargura.






Em busca do amor

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O meu destino disse-me a chorar:

"Pela estrada da vida vai andando,

E, aos que vires, interrogando

Acerca do amor, que hás de encontrar."


Fui pela estrada a rir e a cantar,

As contas do meu sonho desfiando...

E noite e dia, à chuva e ao luar,

Fui sempre caminhando e perguntando...


Mesmo a um velho eu perguntei: "Velhinho,

Viste o Amor acaso em teu caminho?"

E o velho estremeceu... olhou... e riu...


Agora pela estrada, já cansados,

Voltam todos pra trás desanimados...

E eu paro a murmurar: "Ninguém o viu!..."


(Florbela Espanca)





Sem título

Florbela Espanca

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Li um dia, não sei onde,

Que em todos os namorados

Uns amam muito, e os outros

Contentam-se em ser amados.


Fico a cismar pensativa

Neste mistério encantado...

Digo pra mim: de nós dois

Quem ama e quem é amado?...


Feliz dia dos namorados!!!





Segundo motivo da rosa

Cecília Meireles

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Por mais que te celebre, não me escutas,

embora em forma e nácar te assemelhes

à concha soante, à musical orelha

que grava o mar nas íntimas volutas.


Deponho-te em cristal, defronte a espelhos,

sem eco de cisternas ou de grutas…

Ausências e cegueiras absolutas

ofereces às vespas e às abelhas.


E a quem te adora, ó surda e silenciosa,

e cega e bela e interminável rosa,

que em tempo e aroma e verso te transmutas!


Sem terra nem estrelas brilhas, presa

a meu sonho, insensível à beleza

que és e não sabes, porque não me escutas…




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Ah, quanta vez, na hora suave

Em que me esqueço,

Vejo passar um voo de ave

E me entristeço!


Por que é ligeiro, leve, certo

No ar de amavio?

Por que vai sob o céu aberto

Sem um desvio?


Por que ter asas simboliza

A liberdade

Que a vida nega e a alma precisa?

Sei que me invade


Um horror de me ter que cobre

Como uma cheia

Meu coração, e entorna sobre

Minh’alma alheia


Um desejo, não de ser ave,

Mas de poder

Ter não sei quê do voo suave

Dentro em meu ser.


Fernando Pessoa





A Mademoiselle Rachel

Alfred de Musset (1810 – 1857)

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Si ta bouche ne doit rien dire

De ces vers désormais sans prix ;

Si je n'ai, pour être compris,

Ni tes larmes, ni ton sourire ;


Si dans ta voix, si dans tes traits,

Ne vit plus le feu qui m'anime ;

Si le noble coeur de Monime

Ne doit plus savoir mes secrets ;


Si ta triste lettre est signée ;

Si les gardiens d'un vieux tombeau

Laissent leur prêtresse indignée

Sortir, emportant son flambeau ;


Cette langue de ma pensée,

Que tu connais, que tu soutiens,

Ne sera jamais prononcée

Par d'autres accents que les tiens.


Périsse plutôt ma mémoire

Et mon beau rêve ambitieux !

Mon génie était dans ta gloire ;

Mon courage était dans tes yeux.





A Orfeu

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Das tuas mãos divinas de Poeta

Herdei a lira que não sei tanger;

Por eleição ou maldição secreta,

Tenho uma grade para me prender.


Cercam-me as cordas, de emoção,

Versos de ferro onde me rasgo inteiro.

Mas, do fundo da alma e da prisão,

Obrigado, meu Deus e carcereiro!


Miguel Torga





Sinfonia

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Meu coração, na incerta adolescência, outrora,

Delirava e sorria aos raios matutinos,

Num prelúdio incolor, como o alegro da aurora,

Em sistros e clarins, em pífanos e sinos.


Meu coração, depois, pela estrada sonora

Colhia a cada passo os amores e os hinos,

E ia de beijo a beijo, em lasciva demora,

Num voluptuoso adágio em harpas e violinos.


Hoje, meu coração, num scherzo de ânsias, arde

Em flautas e oboés, na inquietação da tarde,

E entre esperanças foge e entre saudades erra...


E, heróico, estalará num final, nos clamores

Dos arcos, dos metais, das cordas, dos tambores,

Para glorificar tudo que amou na terra!


Olavo Bilac

In Tarde, 1919






A Soma dos Talentos
Michel Quoist

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Se a nota dissesse:
Não é uma nota que faz uma música...
Não haveria sinfonia.

Se a palavra dissesse:
Não é uma palavra que pode fazer uma página...
Não haveria livro.

Se a pedra dissesse:
Não é uma pedra que pode montar uma parede...
Não haveria casa.

Se a gota dissesse:
Não é uma gota que pode fazer um rio...
Não haveria oceano.

Se o grão de trigo dissesse:
Não é um grão de trigo que pode semear um campo. ...
Não haveria colheita.

Se o homem dissesse:
Não é um gesto de amor que pode salvar a humanidade, jamais haveria justiça e paz, dignidade e felicidade na terra dos homens.

Como a sinfonia precisa de cada nota.
Como o livro precisa de cada palavra.
Como a casa precisa de cada pedra.

Como o oceano precisa de cada gota de água.
Como a colheita precisa de cada grão de trigo.

A humanidade inteira precisa de ti, pois onde estiveres, és único e, portanto, insubstituível.





Um beijo

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Foste o beijo melhor da minha vida,

ou talvez o pior...Glória e tormento,

contigo à luz subi do firmamento,

contigo fui pela infernal descida!


Morreste, e o meu desejo não te olvida:

queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,

e do teu gosto amargo me alimento,

e rolo-te na boca malferida.


Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,

batismo e extrema-unção, naquele instante

por que, feliz, eu não morri contigo?


Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,

beijo divino! e anseio delirante,

na perpétua saudade de um minuto...


Olavo Bilac




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