Discussão: Loiva ferreira

Loiva ferreira





(2º) Segundo motivo da rosa

(a Mário de Andrade)

loiva-ferreira-carneiro5b96d1122e485.jpg



Por mais que te celebre, não me escutas,

embora em forma e nácar te assemelhes

à concha soante, à musical orelha

que grava o mar nas íntimas volutas.


Deponho-te em cristal, defronte a espelhos,

sem eco de cisternas ou de grutas...

Ausências e cegueiras absolutas

ofereces às vespas e às abelhas.


E a quem te adora, ò surda e silenciosa,

e cega e bela e interminável rosa,

que em tempo e aroma e verso te transmutas!


Sem terra nem estrelas brilhas, presa

a meu sonho, insensível à beleza

que és e não sabes, porque não me escutas...



Cecília Meireles

in Mar Absoluto, 1945







A canoa fantástica

Castro Alves

loiva-ferreira-carneiro5b96f4ba5858d.jpg



Pelas sombras temerosas

Onde vai esta canoa?

Vai tripulada ou perdida?

Vai ao certo ou vai à toa?


Semelha um tronco gigante

De palmeira, que s'escoa...

No dorso da correnteza,

Como bóia esta canoa!...


Mas não branqueja-lhe a vela!

N'água o remo não ressoa!

Serão fantasmas que descem

Na solitária canoa?


Que vulto é este sombrio

Gelado, imóvel, na proa?

Dir-se-ia o gênio das sombras

Do inferno sobre a canoa!...


Foi visão? Pobre criança!

À luz, que dos astros coa,

É teu, Maria, o cadáver,

Que desce nesta canoa?


Caída, pálida, branca!...

Não há quem dela se doa?!...

Vão-lhe os cabelos a rastos

Pela esteira da canoa!...


E as flores róseas dos golfos,

— Pobres flores da lagoa,

Enrolam-se em seus cabelos

E vão seguindo a canoa!...







A casa do coração

loiva-ferreira-carneiro5b96f847ca4ec.jpg




Só tem dois quartos:

Moram ali, sem se ver,

Num a Dor, noutro o Prazer.


Quando o Prazer no seu quarto

Acorda cheio de ardor,

No seu, adormece a Dor…


Cuidado, Prazer! Cautela,

Canta e ri mais devagar…

Não vá a Dor acordar….


Friedrich Rückert








loiva-ferreira-carneiro5b96fe92f40d0.png





A Dança e a Alma


A dança? Não é movimento,

Súbito gesto musical.

É concentração , num momento,

da humana graça natural.


No solo não, no éter pairamos,

nele amaríamos ficar.

A dança - não vento nos ramos:

Seiva , força, perene estar.


Um estar entre céu e chão,

Novo domínio conquistado,

Onde busque nossa paixão

Libertar-se por todo lado...


Onde a alma possa descrever

suas mais divinas parábolas

sem fugir à forma do ser,

por sobre o mistério das fábulas.



Carlos Drummond de Andrade








Alma
loiva-ferreira-carneiro5b970438cd533.jpg



Acho que os sentimentos têm células,

pois as sinto remexer,

intensas libélulas

a se fundir e a se desprender.


Alimentam-se de lágrimas e risos,

sempre crescem.

A cada instante que vivo,

mais então se expandem,

mais amadurecem.


Seu núcleo me pede pulsações

e quando me perco pelas emoções,

ele se avoluma e me maltrata.

Chega a ser tão grande seu efeito,

que rompe o peito, sangra

e se dilata.


Ah minhas células emotivas!

Quero-as em mim

coladas e cativas

fazendo-me viver intensamente.

Eu as batizo com o nome de "alma"

e as responsabilizo a viver eternamente

ainda quando o coração se acalma

e põe-se a dormir

irreversivelmente.


Flora Figueiredo, em "Florescência".




2015%2B-%2B1



A espera do amado desconhecido!


Quem é esta mulher,

a sempre triste,

que vive no meu coração?

Quis conquistá-la mas não consegui.


Adornei-a com grinaldas

e cantei em seu louvor...


Por um momento

bailou o sorriso no seu rosto,

mas logo se desvaneceu.

E disse-me cheia de pena:

- A minha alegria não está em ti.


Comprei-lhe argolas preciosas,

abanei-a

com leques recamados de diamantes,

deitei-a em cama de oiro...

Bateu as pálpebras

como um relâmpago de alegria

que logo se apagou.


E disse-me cheia de pena:

- Não está nessas coisas a minha alegria.


Sentei-a num carro de triunfo,

e passeei-a por toda a terra.

Milhares de corações conquistados

caíram humildes a seus pés,

e as aclamações reboaram pelo céu...

Durante um momento

brilhou o orgulho nos seus olhos,

mas logo se desfez em lágrimas.


E disse cheia de pena:

- Não está na vitória a minha alegria...


Perguntei-lhe:

- Que queres então?

Respondeu-me:

- Espero alguém

que não sei como se chama.

Depois calou-se.


E passa os dias a dizer cheia de pena:

- Quando virá o amado desconhecido?

Quando o conhecerei para sempre?



Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"

Tradução de Manuel Simões







Amor Eterno

Gustavo Adolfo Bécquer

loiva-ferreira-carneiro5b97ba9605b4e.jpg




Podrá nublarse el sol eternamente;

Podrá secarse en un instante el mar;

Podrá romperse el eje de la tierra

Como un débil cristal.

¡todo sucederá! Podrá la muerte

Cubrirme con su fúnebre crespón;

Pero jamás en mí podrá apagarse

La llama de tu amor.








A forma que tens de me olhar...

loiva-ferreira-carneiro5b9823835ef54.jpg





É apenas a forma que tens de me olhar,

sem que eu dê por isso, como se entre mim

e ti o espaço não contasse; ou é

o risco no cabelo, antes de chegar à trança,

indicando o caminho para o sonho

em que nos abraçamos; ou é o teu sorriso,

num esboço de algo que se perdeu

entre um e outro café, por entre

perguntas e conversas; ou é o fundo

dos teus olhos em que adivinho

a noite, e tu me dizes que

o dia está para nascer; ou

são as tuas pálpebras, em que me

escondes a inquietação com que

fechas os olhos, quando as certezas

do coração te ferem; ou és tu,

no puro instante em que te vejo,

e só tu existes.


Nuno Júdice






A Flor Que És

loiva-ferreira-carneiro5b98228222060.jpg



A flor que és,

não a que possa comprar,

te venho oferecer.


Porque não tem preço

o que te ofereço.

E se me debruço a colher a pétala,

a terra inteira em teus dedos se desfolha.


E se a mais pura flor para ti desenho

a inteira pétala no nada se despenha.

Porque és a sombra do sonho em que anoiteço.


Morrer é ter terra finita.

E eu tenho a febre da inatingível margem.

Por isso encho de mar o teu olhar.


Mia Couto






A Flor do Sonho

image?id=857778599890&t=3&plc=WEB&tkn=*l




A Flor do Sonho, alvíssima, divina,

Miraculosamente abriu em mim,

Como se uma magnólia de cetim

Fosse florir num muro todo em ruína.


Pende em meu seio a haste branda e fina

E não posso entender como é que, enfim,

Essa tão rara flor abriu assim!...

Milagre... fantasia... ou, talvez, sina...


Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,

Que tem que sejam tristes os meus olhos

Se eles são tristes pelo amor de ti?!...


Desde que em mim nasceste em noite calma,

Voou ao longe a asa da minha alma

E nunca, nunca mais eu me entendi...



Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"




Deixe sua opinião ou comentário

Para responder um tópico é necessário participar da comunidade.