Discussão: Loiva ferreira

Loiva ferreira




Luxúria Maior


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Faço amor com o tempo

E me engravido do futuro.


Pouco importa

O dia seja escuro

E as verdades, invisíveis.


É no gozo do agora,

No alagar


No contrair involuntário

Do ventre,

Que faço nascer,

Segundo a segundo,

Um novo amanhecer

Dentro em mim.



Nara Rúbia Ribeiro





No nosso amor...

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No nosso amor

não há jardins escondidos

nas súbitas tardes de primavera.


É um amor feito de silêncios.


No nosso amor

não há praias de areias lascivas

nas manhãs juvenis de verão.


É um amor feito de ausências.


No nosso amor

não há fogueiras de paixão aquecendo

as noites invernosas do desespero.


É um amor feito de insinuações.

É um amor feito de breves encontros.

É um amor feito de carícias visuais.


É um amor

feito de gritos interiores

conjugado no singular.



Miguel Afonso Andersen, in "Circum-Navegações"





Noite de amor

Castro Alves

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Passava a lua pelo azul do espaço

De teu regaço

A namorar o alvor!

Como era tema no seu brando lume…

Tive ciúme

De ver tanto amor.


Como de um cisne alvinitentes plumas

Iam as brumas

A vagar nos céus,

Gemia a brisa — perfumando a rosa —

Terna, queixosa

Nos cabelos teus.


Que noite santa! Sempre o lábio mudo

A dizer tudo

A suspirar paixão

De espaço a espaço — um fervoroso beijo

E após o beijo

E tu dizias — “Não!… ”


Eu fui a brisa, tu me foste a rosa,

Fui mariposa

— Tu me foste a luz!

Brisa — beijei-te; mariposa — ardi-me,

E hoje me oprime

Do martírio a cruz


E agora quando na montanha o vento

Geme lamento

De infinito amor,

Buscando debalde te escutar as juras

Não mais venturas…

Só me resta a dor.


Seria um sonho aquela noite errante?…

Diz’, minha amante!…

Foi real… bem sei…

Ai! não me negues… Diz-me a lua, o vento

Diz-me o tormento…

Que por ti penei!





Nós

Guilherme de Almeida

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Lês um romance. Eu te contemplo. Ondeia,

lá fora, um vento muito leve e brando;

cheira a jasmins o varandim, brilhando

ao doentio clarão da lua cheia.


Vais lendo. E, enquanto tua mão folheia

o livro, eu vejo que, de quando em quando,

estremecendo, sacudindo, arfando,

teu corpo todo num delírio anseia.


Lês. São cenas de amor: o encontro, o ciúme,

idílios, beijos ao luar... Perfume

que sobe da alma, e gira, e se desfaz...


Vais lendo. E tu não sabes que, sozinho,

eu te sigo, eu te sinto, eu te adivinho,

lendo em teus olhos o que lendo estás.






A um poeta...

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Quem é esse que, em versos, minh´alma desperta

e que a faz se perder em mil tramas de amor?

Como pode entender a carência encoberta

e meu sonho mais caro em soneto compor?


Quem me vê tão desnuda e nas rimas me oferta

os anseios perdidos nas brumas da dor?

Quem me sabe encontrar de maneira tão certa...

quando eu não mais ousava venturas supor?


Quem me faz suspirar, quem meu peito acelera,

onde está esse alguém, que me exila na espera...

No desejo, saudade... onde achá-lo, afinal?


Ah!, Poeta... Eu quisera de ti ser a musa,

em teus braços viver para sempre reclusa,

embalada ao cantar de gentil madrigal!


Patrícia Neme






tu

Nuno Judice

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Como as rosas selvagens, que nascem

em qualquer canto, o amor também pode nascer

de onde menos esperamos. O seu campo

é infinito: alma e corpo. E, para além deles,

o mundo das sensações, onde se entra sem

bater à porta, como se esta porta estivesse sempre

aberta para quem quiser entrar.


Tu, que me ensinas o que é o

amor, colheste essas rosas selvagens: a sua

púrpura brilha no teu rosto. O seu perfume

corre-te pelo peito, derrama-se no estuário

do ventre, sobe até aos cabelos que se soltam

por entre a brisa dos murmúrios. Roubo aos teus

lábios as suas pétalas.


E se essas rosas não murcham, com

o tempo, é porque o amor as alimenta.







Cantigas Leva-as o Vento...


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A lembrança dos teus beijos

Inda na minh'alma existe,

Como um perfume perdido,

Nas folhas dum livro triste,


Perfume tão esquisito

E de tal suavidade,

Que mesmo desaparecido

Revive numa saudade!


Florbela Espanca







Canção do Amor Imprevisto

Mário Quintana

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Eu sou um homem fechado.

O mundo me tornou egoísta e mau.

E a minha poesia é um vício triste,

Desesperado e solitário

Que eu faço tudo por abafar.


Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,

Com o teu passo leve,

Com esses teus cabelos...


E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espetáculo inútil

Aonde viessem pousar os passarinhos!






Canção do Amor-Perfeito

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Eu vi o raio de sol

Beijar o outono.

Eu vi na mão dos adeuses

O anel de ouro.

Não quero dizer o dia.

Não posso dizer o dono.


Eu vi bandeiras abertas

Sobre o mar largo

E ouvi cantar as sereias.

Longe, num barco,

Deixei meus olhos alegres,

Trouxe meu sorriso amargo.


Bem no regaço da lua,

Já não padeço.

Ai, seja como quiseres,

Amor-Perfeito,

Gostaria que ficasses,

Mas, se fores, não te esqueço.


Cecília Meireles






Canção do sonho acabado...

Cecília Meireles

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Já tive a rosa do amor

- rubra rosa, sem pudor.

Cobicei, cheirei, colhi.

Mas ela despetalou

E outra igual, nunca mais vi.

Já vivi mil aventuras,

Me embriaguei de alegria!

Mas os risos da ventura,

No limiar da loucura,

Se tornaram fantasia...

Já almejei felicidade,

Mãos dadas, fraternidade,

Um ideal sem fronteiras

= utopia! Voou ligeira,

Nas asas da liberdade.

Desejei viver. Demais!

Segurar a juventude,

Prender o tempo na mão,

Plantar o lírio da paz!

Mas nem mesmo isto eu pude:

Tentei, porém nada fiz...

Muito, da vida, eu já quis.

Já quis... mas não quero mais...




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