Discussão: As pontes de Madison.

As pontes de Madison.


Alice Viegas ( Administrador )

As Pontes de Madison – Filme sobre Sincronicidade.

Este filme poderia trazer uma análise sobre traição/adultério feminino.
Poderia ser visto retratando uma vivência amorosa que é sublimada em função da família.
Mas o que chama a atenção, e o que mais emociona é a sincronicidade que faz nascer este amor – mesmo que tenha sido vivido em 4 dias-
- entre Robert (Clint Eastwood ) e Francesca (Meryl Streep)

Ela uma dona de casa que vive numa fazenda com seu marido e dois filhos adolescentes.
(Uma filha que não a permite sequer escutar suas músicas, que muda a estação do rádio como se ela (Francesca) nem existisse – (mãe não pode ter prefêrencias musicais?)

Ele um fotógrafo que viaja pelo mundo em busca de fotos para a revista que trabalha.

As chamas de uma paixão nascem da admiração.
O amor não se sustenta sem admiração mútua.
Ele viu nela um mulher forte, linda, sensual, companheira, cúmplice, mas, frustrada pela escolha que ela fez na vida, uma mulher intensa, que adora o mundo (como ele também – tudo o que ele também é -).

Ela representava para ele, a simplicidade, o amor pelo amor, sem máscaras e com toda a sutileza da situação, do lugar que, segundo ele, cheirava tão bem.
Ela tinha a mesma beleza como a que ele viu nas pontes cobertas.

Pontes que muitas pessoas passavam sem se dar conta da beleza que havia nela.
Ele era fotógrafo, e via o óbvio com outros olhos, sentia de forma diferente as pessoas, a paisagem e o mundo em si.

Ela vê nele essa pessoa que ela também quis ser, divorciado, livre e sem amarras.
Solto pelo mundo, descobrindo novas paisagens e novas experiências.

O filme começa com os dois filhos dela já adultos recebendo do advogado, um comunicado de que a mãe queria ser “cremada” e uma caixa com vários objetos e um diário .

Já de início se percebe a reação do filho que não aceita a vontade da mãe de ser cremada.
(Os dois irmãos voltam para a fazendo porque a mãe Francesca havia morrido )

Afinal o pai deles já havia comprado dois jazidos, como a mãe poderia querer ser cremada?- se este não era o “costume”da família?
Era como se a mãe com este pedido estivesse transgredindo uma moral. (Inventada por eles )

Os dois irmãos começam a ler o diário, ( a pedido da mãe) e mudam pra sempre também os seus destinos após a leitura dele, quando um grande segredo e a linda história de amor de sua mãe começa a ser revelada.

Há momentos engraçados onde o filho fica indignado que a mãe possa ter feito sexo com Robert.
Como se mãe não pudese sentir desejos.

Ela conta só agora no seu Diário o que na vida não teve coragem de fazer.
Mas ela queria que pelo menos depois de morta os filhos a conhecessem de verdade.

Nossa alma quer que a gente viva sendo o que somos de verdade.
Mas isto nem sempre é possível.( Na maioria das vezes não é)
Representamos vários papéis na vida, até pela nossa sobrevivência e prá honrar as escolhas que fazemos (no caso dela o casamento - a família)

E sua história começa,quando ela (Francesca) estava sozinha...seus filhos e marido tinham viajado....4 dias ela teria só pra ela , já que ela era completamente envolvida/dedicada a família.
E foi.
Literalmente estes 4 dias foram só dela.
Foram dias capazes de marcá-la pra sempre.

Robert chega na sua casa perguntando como chegar numa ponte.

Ponte é o que liga uma margem a outra, um rio é como nossa vida, vamos indo em frente levando conosco o que nos chega das margens, mas que um dia vai também desembocar no grande mar do cosmos.
Ponte significa juntar o que esta separado.
União dos opostos.
Na psicologia Junguiana Animus (polaridade masculina nas mulheres)
Anima (polaridade feminina nos homens .)
Juntar as duas margens, passar nesta ponte é estar pronta para viver o amor....a paixão...a entrega.

Amar é conhecer o outro e conhecer a si mesmo(no outro).
..............enquanto ela o leva pra fotografar esta ponte, ela fala com toda sua espontaneidade, pois dentro dela havia um universo próprio, com humor, emoção e delicadeza.
E um brilho único, que ninguém da família dela conseguia enxergar.
Mas que ele (Robert)sente....e que o deixa fascinado.

Ele fala de uma cidade na Itália que ele havia gostado tanto que havia parado o trem pra poder conhecê-la melhor...- era a cidade natal de Francesca.
..........como um homem pode ser sensível assim a ponto de sair de um trem que já tem sua rota pré- determinada pra “apenas ” conhecer uma cidade?
...o olhar dela quando ele conta esta passagem da vida dele é de espanto....e quando ele diz sentir o cheiro da cidade onde passam ela fica fascinada pela sensibilidade dele.
Trem é simbólico também.
Parar um trem é interferir no trajeto pré-determinado.
É como mudar seu próprio destino.
Foi a partir deste “detalhe” que ela presta atenção nele....(O olhar dela quando ele conta esta passagem fala deste espanto....- o espanto da sedução....)

Sincronidade são eventos sem relação em causa e efeito.
Que se unem pelo significado que tem na vida de uma pessoa
.(ou duas neste caso)

Esta é sincronicidade de que Jung fala, e ela (esta sincronicidade de almas) existe pra ser compreendida, vivida, pois é mais do que mera coincidência.

Quando a sincronicidade acontece nossos arquétipos internos (que se encontram prontos se ativam ) e recebem uma energia particular de um fenômeno exterior que se complementa com o que se passa interiormente em nós, o resultado é = sincronicidade.
Nada é provocado.
Acontece.

Francesca estava na meia idade( metanóia), tinha sonhos que não tinha vivido ainda.(sentimento interno )
Ele divorciado, experiente, sentia a vida em todo o seu contexto – tinha integralizado sua polaridade feminina (anima) – por isto era sensível e estava pronto pra alguém que o quisesse assim. (evento externo –ela Francesca)

Ela precisava ser ouvida, ser percebida.(ela queria um homem sensível - arquétipo interno constelado)
Ele precisava ser amado.(evento externo)

A grande questão sobre a sincronicidade - pra que se perceba que está presente nos eventos que nos acontecem- é prestar atenção no significado.

Um evento sincronístico não está ligado por causa e efeito (Ela não conhecia nem havia planejado encontrar Robert....e nem ele....)
-....mas os dois internamente precisavam deste encontro....deste amor....e foi a simultaneidade que se fez presente.....)
Se iriam ou não ficar juntos não importa....importa sim é que este ENCONTRO mude suas vidas....e que esta junção equilibre e melhore suas existências.

Foi por acaso que o marido viajou e que ela ficou sozinha, por acaso ele bateu na porta dela justamente naquele dia, por acaso ele era um homem sensível do jeito que ela já sonhara, por acaso ela era tudo o que ele queria e precisava encontrar numa mulher depois de tantas experiências, por acaso ele já havia estava já na metade da vida e ela também....
Por acaso ele se apaixonou pela cidadezinha que era a cidade natal dela na Itália.....
Sim, tudo isto aconteceu, mas se eles internamente não estivessem “prontos”, não aconteceria nada.....(é nossa alma a grande manipuladora)

.......e nos momentos e dias seguintes acontece tudo...eles se amam...se entregam a esta paixão que explode inteira...

.....a transformação de Francesca, o resgate da mulher escondida atrás da dona-de-casa, quando ela coloca a calça jeans, a camisa branca, solta os cabelos... e se mostra como uma mulher linda, mostra o poder de transformação que o amor nos proporciona...e o quanto
a vida pode se recriar a partir dele.

Quando ela na banheira lembra dele com desejo......e pensa ”- Estou agindo como alguma outra mulher,contudo nunca fui tanto eu mesma como agora”.

Ele quando escuta os sons pequenos e ininteligíveis que saíam da boca de Francesca quando ela arqueava o corpo na direção dele.
Era uma linguagem que ele compreendia perfeitamente, e naquela mulher que estava debaixo dele, com o ventre contra o seu, a quem penetrava profundamente.
Robert Kincaid terminava a sua longa busca .

Ele por fim descobria o significado de todas as pequenas pegadas em todas as praias desertas por onde alguma vez caminhara, e de todas as cargas secretas levadas por navios, que jamais haviam navegado, de todos os rostos velados que o viram passar por ruas sinuosas de crepusculares cidades.
E, como um grande caçador de outros tempos que tivesse viajado em terras distantes e agora visse o brilho das fogueiras da sua pátria, a sua solidão desvaneceu-se.
Finalmente. Finalmente.
Vinha de tão longe...de tão longe.
E jazia sobre ela, perfeitamente realizado e inalteravelmente completo no seu amor por ela.

No ultimo dia em que estavam juntos o diálogo entre os dois merece ser visto e revisto muitas vezes, pois foi um dos mais emocionantes do filme pela delicadeza da situação que ela expõe pra ele, e de como ele recebe a densa realidade do que ela fala:

- " Ninguém entende que quando uma mulher resolve casar e ter filhos,por um lado sua vida se inicia por outro termina.
Ela constrói uma vida de detalhes e simplesmente pára,fica imóvel para que seus filhos se movimentem.
E quando se vão, levam sua vida de detalhes com eles.
Espera-se que você retome sua vida.
Mas do que era mesmo que você gostava?
Ninguém perguntou nesse meio tempo.
Nem eles.Nem o marido
Nem você mesma."

E Robert diz:

"É por isso que estou neste planeta, neste momento, Francesca.
Não é para viajar nem para tirar fotografias, mas para te amar. Agora sei.
"Quando penso em porquê fotografo, a única razão que me vem à mente é que passei minha vida tentando chegar aqui.
Tenho a impressão de que tudo que fiz até hoje foi para chegar até você."

E ele continua:
"Na verdade, não estamos dentro desse ser. Somos esse ser. Ambos nos perdemos a nós próprios e criamos outra coisa, algo que existe apenas como uma união de nós os dois.”

Ela decide não fugir com ele como ele queria porque diz que ao ir embora iria levar a casa e sua família com ela na lembrança , e este peso do abandono iria destruir os dois.

Há certos amores que por maiores que sejam não devem e nem podem ser vividos.
Esta é a realidade.
A realidade da vida.
Há escolhas que fazemos antes dele (deste amor) acontecer e somos responsáveis por elas.(Somos as escolhas que fazemos)

No final do diário...ela diz:

...."Em quatro dias, ele deu-me uma vida inteira, um universo, e deu consistência a todo o meu ser.
Nunca deixei de pensar nele, nem por um momento."

É aqui que é importante destacar o que há de importante, num determinado acontecimento, para a pessoa que o vive, é a qualidade, o significado, que cintila como uma estrela cadente através da que é sincrônico.

Foi este “encontro” na vida dela que significou, constelou nela o sentido do que ela viveu.
Foi a partir dele que ela teve paz e serenidade pra cuidar do marido enfermo com carinho, mesmo que na sua alma ela guardasse este segredo.
Era de certa maneira uma transgressão, ela não obedeceu as regras, mas é esta transgressão criativa que enriquece e enobrece seu cuidado para com a família e com a escolha que ela tinha feito.
Foi uma decisão de sacrifício, mas com a coragem de uma alma liberta.
Que não sentiu culpa.

Pelo contrário.
Ela se deu o direito de viver aquele segredo,e de ter cometido esta traição, que no final das contas, foi o que a fez viver melhor sua vida e dos que a cercavam.
Deu um sentido.
Sentido que nasce de uma personalidade que se enriqueceu com uma experiência amorosa.

E é aí que se encontra o aspecto terapêutico da sincronicidade.
É a cura que ela pode gerar na nossa vida, como atos da criação no tempo, que são catalisados por catarses emocionais.

E como disse Robert para Francesca:
“-Os sonhos são bons por terem simplesmente existido, independente de terem sido realizados”

Vivemos sobrenadando num oceano de sincronicidades, das quais percebemos uma pequeníssima parte.
Tudo acontece, com diferentes probabilidades.
Mas quem determina estas sincronicidades?

É aí que se escondem os deuses.
E nossa alma sabe.
É ela quem as realiza dentro de nós.

“Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, não é o acaso que tal proporciona, mas a própria pessoa; seu próprio desejo e sua própria necessidade o conduzem a isso.
(H. Hesse)

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