Discussão: FLORBELA ESPANCA

FLORBELA ESPANCA


Helena Garbin Cansada! ( Administrador )

SÃO PAULO — Dar vida no cinema a uma personagem como a poeta Florbela Espanca (1894-1930) exigiu da atriz Dalila Carmo, de 39 anos, um ano e meio de intensa pesquisa. A intérprete mergulhou na obra da escritora, em seus diários, cartas e manuscritos. Leu três biografias e uma fotobiografia em busca da essência de uma mulher de talento e inteligência extraordinários, de vida atormentada e à frente de seu tempo. O resultado pode ser visto nos cinemas, no filme “Florbela”, o segundo longa-metragem do cineasta português Vicente Alves do Ó, de 42 anos.

Dalila foi convidada para protagonizar o filme em 2010, quando Vicente lhe disse que escrevia o roteiro pensando nela como intérprete da poeta. Lançado em 2012 em Portugal, “Florbela” ficou quatro meses em cartaz, uma marca considerada fora do comum para filmes portugueses.

— Eu sabia que Vicente Alves do Ó estava a me escrever aquele projeto. Mas não criei expectativas em relação a isso até porque em Portugal há quatro ou cinco filmes subsidiados por ano. Por isso, disse, "olha, não quero ouvir falar disso até saber se vai para a frente ou não". Não queria entusiasmar-me — lembra a atriz, lamentando a crise pela qual passa o cinema e o teatro português, o que tem levado atores como ela a buscar trabalho na TV, em telenovelas.

Ao saber que o filme seria realizado, Dalila sentiu medo e insegurança porque interpretaria "uma pessoa que toda a gente pensa que conhece”.

— Para uns, Florbela era aquela que andava sempre muito triste, que dizia poemas muito tristes. Outros acham que ela era completamente contestatória. Existem muitas leituras fechadas e muitos preconceitos. Eu não tinha sobre ela uma opinião formada. Estudei-a na escola, fazia parte do programa obrigatório. Mas nunca tinha me debruçado sobre ela. Adolescentes se apegam muito a ela, era um bocadinho moda, mas eu, por ser do contra, não — conta Dalila.

Além de mergulhar na leitura da obra da poeta, Dalila procurou pessoas de sua família ou que conviveram com ela. Uma das sobrinhas de Florbela lhe emprestou manuscritos. A atriz também tomou um chá com Aurélia Borges, na época com 98 anos. Ela fora aluna de português de Florbela quando criança.

— Foi Aurélia Borges quem forneceu seis poemas inéditos lançados em Portugal em novembro. Essa conversa foi muito importante para mim. Eu perguntava como era a voz dela. Tinha a necessidade de me agarrar a qualquer coisa mais palpável. Ela descrevia-me certas coisas, mas não me explicava como era a realidade física da Florbela. Era uma descrição mais emocional. Portanto, numa certa altura decidi centrar-me nisso — explica.

Aurélia Borges contou a Dalila que um dia Florbela chegou para dar aula com um chapéu roxo ou lilás, a cor preferida da escritora. O chapéu lhe caia mal e as alunas, com a sinceridade típica da infância, disseram isso a ela. A escritora ficou muito triste, começou a chorar e ficou amuada até o fim da aula.

— Ela não queria chocar. Estava convencida de que as pessoas iam aceita-la. Não havia em Florbela a contestação, a ideia de contrariar conscientemente as regras. Havia o desejo de liberdade. Essa é minha leitura. Apreciava um chapéu ou um vestido não pela vaidade, mas pela porção de beleza que aquele objeto tinha. Numa altura em que isso não era permitido. Seria uma pessoa normal nos dias de hoje. Só que nasceu no tempo errado _ constata Dalila, citando os três casamentos e a excomunhão da poeta e lembrando de quando ela foi apedrejada em Lisboa porque vestia calças.

O diretor compartilhou a interpretação de Dalila sobre a personagem, retratando-a como uma mulher com fome de vida e de liberdade. Optou por centrar a atenção do filme em quatro dias decisivos na vida de Florbela, quando ela se casa, pela terceira vez, com o médico Mário Lage (interpretado por Albano Jerónimo) e encontra seu irmão mais novo, o aeronauta Apeles (Ivo Canelas), em Lisboa numa licença de quatro dias do trabalho.

— Vicente me disse “quero que faça a tua interpretação sobre o universo pessoal dela. Quero que a câmera apanhe o que te vai dentro da cabeça". Tentei, portanto, fazer um retrato psicológico dela. Uma das imagens muito presente de Florbela que me chegou naturalmente é sempre aquela ambivalência. De estar fisicamente num lugar e ter a cabeça em outro. Aquela eterna inquietação. Aquela ausência. Essa permanente inquietação foi minha grande prioridade —revela a intérprete, que mesmo depois de concluídas as filmagens leu uma quarta biografia da escritora, lançada em novembro em Portugal, para saber “o que acrescentaria” em sua composição.

Apesar de haver muitos escritos e fotos de Florbela, não há registros filmados da autora. Tampouco foram feitos filmes sobre ela. “Florbela” é o primeiro.

— Ninguém sabe na realidade quem ela foi. As pessoas quando vão ver um filme sobre uma personagem da vida real estão à espera de uma versão fechada. Esperam que o filme responda se suicidou ou não. Se teve ou não uma relação incestuosa com o irmão. Vicente preferiu deixar o caminho aberto para o público interpretar como quiser. Quis revelar a mulher, sua essência. Eu como atriz trabalho assim. Ao me escolher, ele esperava que eu fizesse isso. Essencialmente, foi uma aproximação ao espírito, à alma, à inquietação da poeta. Procurei a Florbela dentro de mim e encontrei a minha Florbela. E no fundo é um filme sobre muitas mulheres. Porque há muitas Florbelas, há muitas mulheres que se veem nessa literatura, nessa personagem — conclui Dalila.



Leia mais: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/para-viver-florbela-espanca-dalila-carmo-mergulhou-na-vida-obra-da-poeta-12386498.html#ixzz3HPLRqdzq


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