"Eu não sei senão amar-te,
Nasci para te querer.
Ó quem me dera beijar-te,
E beijar-te até morrer.”
Fernando Pessoa
♥
"Eu não sei senão amar-te,
Nasci para te querer.
Ó quem me dera beijar-te,
E beijar-te até morrer.”
Fernando Pessoa
♥
Esboço de Cantiga
Subo e desço noite e dia,
noite dia subo e desço
por mil escadas de nuvens
no castelo em que padeço.
Subo com ramos de flores,
e a água dos jarros esqueço,
há mil escadas de nuvens
no trabalho que ofereço.
Ai, que trabalho tão grande
nas nuvens que subo e desço
não só por águas e flores,
mas recados de mais preço,
que me mandam, que me chamam,
neste sem fim nem começo,
castelo entre a vida e a morte
de um dono que não conheço.
Subo e desço noite e dia,
gasto-me e desapareço…
Ai que castelo tão alto,
tão alto e sem endereço!
Cecília Meireles
♥
Velhas árvores
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:
Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
Olavo Bilac, in "Poesias"
♥
Amor e felicidade
Infeliz de quem passa pelo mundo,
Procurando no amor felicidade:
A mais linda ilusão dura um segundo;
E dura, a partir daí, tristeza e saudade.
Repleto é o amor no íntimo mais profundo.
Onde esconde a linda jóia da verdade;
E só depois de vazia, mostra o fundo.
Só depois, embriaga-se a felicidade.
Eis aqui mais um enamorado descontente,
Escutando a palavra confidente
Que o coração murmura, e a voz não diz.
Percebo afinal meu pecado:
Quanto me falta para ser amado.
Quanto me falta para ser feliz.
J. G. de Araujo Jorge
♥
Apresentação
Cecília Meireles
Aqui está minha vida – esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz – esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor – este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança – este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.
♥
Dançarina Espanhola
Rainer Maria Rilke
Como um fósforo a arder antes que cresça
a flama, distendendo em raios brancos
suas línguas de luz, assim começa
e se alastra ao redor, ágil e ardente,
a dança em arco aos trêmulos arrancos.
E logo ela é só flama, inteiramente.
Com um olhar põe fogo nos cabelos
e com a arte sutil dos tornozelos
incendeia também os seus vestidos
de onde, serpentes doidas, a rompê-los,
saltam os braços nus com estalidos.
Então, como se fosse um feixe aceso,
colhe o fogo num gesto de desprezo,
atira-o bruscamente no tablado
e o contempla. Ei-lo ao rés do chão, irado,
a sustentar ainda a chama viva.
Mas ela, do alto, num leve sorriso
de saudação, erguendo a fronte altiva,
pisa-o com seu pequeno pé preciso.
Tradução: Augusto de Campos
♥
Pálida à luz
Alvares de Azevedo
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
♥
Nocturno
Amor! Anda o luar, todo bondade,
Beijando a Terra, a desfazer-se em luz…
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que anda pisando as ruas da cidade!
E eu ponho-me a pensar… Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traças em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!
Minh’alma que eu te dei, cheia de mágoas,
É nesta noite o nenúfar de um lago
Estendendo as asas brancas sobre as águas!
Poisa as mãos nos meus olhos, com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago…
E deixa-me chorar devagarinho…
Florbela Espanca
♥
O Ramalhete
Gonçalves de Magalhães
Eu ando colhendo flores
para a deusa dos amores,
que além espera por mim.
Já tenho cravos cheirosos,
não-me-deixes primorosos
e o branco e puro jasmim.
.
Tenho violetas dobradas,
estas cravinas rajadas
e o fragrante mogorim:
para ornar o ramalhete,
tenho da sécia o alfinete
e um galhinho de alecrim.
.
Só a rosa aqui me falta,
que só ela não esmalta
este tão lindo jardim!
Mas também para que rosas!
Se as tem nas faces mimosas
e em teus lábios de cetim!
♥
Harmonia Velha
Guilherme de Almeida
O teu beijo resume
Todas as sensações dos meus sentidos
A cor, o gosto, o tato, a música, o perfume
Dos teus lábios acesos e estendidos
Fazem a escala ardente com que acordas
O fauno encantador
Que, na lira sensual de cinco cordas,
Tange a canção do amor!
E o tato mais vibrante,
O sabor mais sutil, a cor mais louca,
O perfume mais doido, o som mais provocante
Moram na flor triunfal da tua boca!
Flor que se olha, e ouve, e toca, e prova, e aspira;
Flor de alma, que é também
Um acorde em minha lira,
Que é meu mal e é meu bem...
Se uma emoção estranha o gosto de uma fruta,
A luz de um poente chega a mim,
Não sei de onde, e bruscamente ganha qualquer
Sentido meu, é a ti somente que ouço,
Ou aspiro, ou provo, ou toco, ou vejo...
E acabo de pensar
Que qualquer emoção vem de teu beijo
Que anda disperso no ar...
♥