Discussão: Loiva ferreira

Loiva ferreira


Rústica

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Eu q’ria ser camponesa;

Ir esperar-te à tardinha

Quando é doce a Natureza

No silêncio da devesa,

E só voltar à noitinha…


Levar o cântaro à fonte

Deixá-lo devagarinho,

E correndo pela ponte

Que fica detrás do monte

Ir encontrar-te sozinho…


E depois quando o luar

Andasse pelas estradas,

D’olhos cheios do teu olhar

Eu voltaria a sonhar,

P’los caminhos de mãos dadas.


E depois se toda a gente

Perguntasse: “Que encarnada,

Rapariga! Estás doente?”

Eu diria: “É do poente,

Que assim me fez encarnada!”


E fitando ao longe a ponte,

Com meu olhar cheio do teu,

Diria a sorrir pro monte:

“O cant’ro ficou na fonte

Mas os beijos trouxe-os eu…


Florbela Espanca

- Trocando olhares





Sem remédio

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Aqueles que me têm muito amor

Não sabem o que sinto e o que sou ...

Não sabem que passou, um dia, a Dor

À minha porta e, nesse dia, entrou.


E é desde então que eu sinto este pavor,

Este frio que anda em mim, e que gelou

O que de bom me deu Nosso Senhor!

Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!


Sinto os passos da Dor, essa cadência

Que é já tortura infinda, que é demência!

Que é já vontade doida de gritar!


E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,

A mesma angústia funda, sem remédio,

Andando atrás de mim, sem me largar!


Florbela Espanca

Livro de Mágoas




A Palmeira

Machado de Assis

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Como é linda e verdejante

Esta palmeira gigante

Que se eleva sobre o monte!

Como seus galhos frondosos

Se elevam tão majestosos

Quase a tocar no horizonte!


Ó palmeira, eu te saúdo,

Ó tronco valente e mudo,

Da natureza expressão!

Aqui te venho ofertar

Triste canto, que soltar

Vai meu triste coração.


Sim, bem triste, que pendida

Tenho a fronte amortecida,

Do pesar acabrunhada!

Sofro os rigores da sorte,

Das desgraças a mais forte

Nesta vida amargurada!


Como tu amas a terra

Que tua raiz encerra,

Com profunda discrição;

Também amei da donzela

Sua imagem meiga e bela,

Que alentava o coração.


Como ao brilho purpurino

Do crepúsculo matutino

Da manhã o doce albor;

Também amei com loucura

Essa alma toda ternura

Dei-lhe todo o meu amor!


Amei!... mas negra traição

Perverteu o coração

Dessa imagem da candura!

Sofri então dor cruel,

Sorvi da desgraça o fel,

Sorvi tragos d’amargura!


.......................................


Adeus, palmeira! ao cantor

Guarda o segredo de amor;

Sim, cala os segredos meus!

Não reveles o meu canto,

Esconde em ti o meu pranto

Adeus, ó palmeira!... adeus!





Eu amei-te…

Aleksandr Púchkin (1799-1837)

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Eu amei-te; mesmo agora devo confessar,

Algumas brasas desse amor estão ainda a arder;

Mas não deixes que isso te faça sofrer,

Não quero que nada te possa inquietar.

O meu amor por ti era um amor desesperado,

Tímido, por vezes, e ciumento por fim.

Tão terna, tão sinceramente te amei,

Que peço a Deus que outro te ame assim.







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Recria tua vida, sempre, sempre.

Remove pedras e planta roseiras e faz doces.

Recomeça!


Cora Coralina






Amoureuse au secret

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Amoureuse au secret derrière ton sourire

Toute nue les mots d’amour

Découvrent tes seins et ton cou

Et tes paupières

Découvrent toutes les caresses

Pour que les baisers dans tes yeux

Ne montrent que toi toute entière.

D’une seule caresse



Paul Éluard

(L’amour la poésie)








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"E a doçura é tanta que faz insuportável cócega na alma. Viver é mágico

e inteiramente inexplicável."


Clarice Lispector





Se não falas

Rabindranath Tagore

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Se não falas, vou encher o meu coração

Com o teu silêncio, e aguentá-lo.

Ficarei quieto, esperando, como a noite

Em sua vigília estrelada,

Com a cabeça pacientemente inclinada.


A manhã certamente virá,

A escuridão se dissipará, e a tua voz

Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.


Então as tuas palavras voarão

Em canções de cada ninho dos meus pássaros,

E as tuas melodias brotarão

Em flores por todos os recantos da minha floresta.


Rabindranath Tagore






Soneto do amor total

Vinícius de Moraes

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Amo-te tanto, meu amor… não cante

O humano coração com mais verdade…

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade


Amo-te afim, de um calmo amor prestante,

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.


Amo-te como um bicho, simplesmente,

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.


E de te amar assim muito e amiúde,

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.







Soneto de Amor

Eugénio de Andrade

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Não me peças palavras, nem baladas,

Nem expressões, nem alma … Abre-me o seio,

Deixa cair as pálpebras pesadas,

E entre os seios me apertes sem receio.


Na tua boca sob a minha, ao meio,

Nossas línguas se busquem, desvairadas …

E que os meus flancos nus vibrem no enleio

Das tuas pernas ágeis e delgadas.


E em duas bocas uma língua …, – unidos,

Nós trocaremos beijos e gemidos,

Sentindo o nosso sangue misturar-se.


Depois … – abre os teus olhos, minha amada!

Enterra-os bem nos meus; não digas nada …

Deixa a vida exprimir-se sem disfarce!




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